quinta-feira, abril 27, 2006
A ÚLTIMA TENTAÇÃO DE CRISTO:Título:
Last Temptation Of ChristRealizador: Martin Scorcese
Ano: 1988

Já passou praticamente uma semana da Páscoa e quase que já estamos recuperados da habitual overdose televisiva de filmes religiosos, agora com
A Paixão De Cristo à cabeça. Por isso, é a altura ideal para recuperar o melhor filme religoso de sempre (atenção, deve-se ler o melhor filme religioso sério de sempre): o controverso
A Última Tentação De Cristo. É certo que é uma obra ficcional, mas não deixa de ser o melhor filme religioso de sempre.
A figura de Jesus, enquanto filho de Deus, sempre foi representado em tudo o que é filme como o homem perfeito, uma personagem unidimensional sem expressão emocional digna de registo. Por isso, quando Martin Scorcese realizou um filme em que toma a condição humana de Jesus como base da maior história do Mundo, caiu o carmo e a trindade por todo o Mundo. E ainda hoje o filme continua banido no Chile.
Jesus é então um homem atormentado: numa mão tem a voz de Deus a toldar-lhe o destino, enquanto Messias e salvador dos Homens; contudo, na outra mão tem o problema existencial do Homem. E se essa ambiguidade terrena já nos traz tantos problemas, imaginem o que fez à cabeça de Jesus...
Jesus (interpretado de forma superior pelo inegualável e carismático William Dafoe) não queria assumir esse papel. Durante muito tempo tentou fazer com que Deus, o seu pai, o odiasse e lhe retirasse o fardo dos ombros. Era por isso que construia cruzes para os romanos. Mas Deus mostrou-lhe que o amava e Jesus percebeu que teria de espalhar a sua palavra. Facilmente criou uma falange de seguidores rumo a Jerusalém. Mas Jesus era uma espécie de hippie, que apregoava o amor como arma. E aquela treta de dar a outra face a quem lhe batesse dava-lhe uma imagem de mole. Alertado por Judas (grande Harvey Keitel) e mais uma vez atormentado pelos problemas existenciais, Jesus troca o amor pelo machado e decide baptizar com fogo todos os impuros.
Com as pupilas dilatadas e com a batida rock de Peter Gabriel como pano de fundo, Jesus e os apóstolos dirigem-se para Jerusalém para queimar o templo. Ao entrarem na cidade, a população segue-os em histeria, como uma banda rock. Agora percebemos porque John Lennon disse certa vez "somos [ndr:
os Beatles] mais famosos que Jesus Cristo".
Mas como sabemos Deus fê-lo ver pelos olhos da razão e, sem querer adiantar muito da história, todos sabemos que ele acaba pregado a dois pedaços de pau pelos romanos. O culpado é Judas, mas tal como vem escrito no Evangelho não oficial, este apenas agiu a mando do próprio Messias. Jesus vai ter então a prova de fogo: conseguirá ele resistir à prova de fogo, à última tentação, aquela que lhe prometia uma vida normal? Se sucumbir, sucumbe toda a esperança do Homem. Se resistir, acontecerá a ressurreição e Jesus Cristo virá para nos salvar.
A Última Tentação De Cristo é um ensaio filosófico excepcional sobre a figura de Jesus Cristo enquanto Homem. Pela única vez no cinema é-lhe atribuída uma personalidade humana, o que é muito mais chocante do que as cenas de nu frontal ou a relação com Maria Madalena.
Junta-se Martin Scorcese, Harvey Keitel e William Dafoe e não queriam que se tivesse uma obra-prima nas mãos? Depois ainda há a banda-sonora superior de Peter Gabriel e até David Bowie no papel de Pôncio Pilatos. O que é preciso mais para um Royale With Cheese? O único senão: os judeus falarem inglês com sotaque americano e os romanos com sotaque britânico. Pormenores mesquinhos, apenas...
Posted by: dermot @
9:50 da tarde
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