estreou uma rubrica onde convida outros blogues do panorama nacional a dissertar sobre cinema. Ou seja, é a forma de ter neste espaço alguém que saiba realmente escrever.
Por isso, é com muita honra que voltamos ao tema com...
São muitos os géneros cinematográficos que me preencheram o imaginário desde miúdo. Muitos temas me guiaram o visionamento (algo descoordenado e avulso) de filmes. Mas há um em especial que, inexplicavelmente, se enraizou nos meus gostos. Assim como muitas pessoas não conseguem explicar porque são muito apegadas a livros policiais, também eu não saberei explicar racionalmente o porquê de ser um consumidor incondicional de filmes de guerra.
Mas não devo ser, creio eu, o único. Bastaria fazer, para começar, uma prospecção para averiguar as imagens ou as circunstâncias que cada pessoa evoca ou imagina quando ouve as
Valquírias do amigo Wagner. Não é difícil - para quem admire minimamente a criação ou recriação dos ambientes caóticos, metafóricos, de muitos filmes de guerra -, recuperar na memória a personagem de Robert Duvall em
Apocalypse Now, delirando ao som dessa mesma música enquanto arrasa ou lança raids em aldeias vietnamitas. Talvez seja uma cena clássica a puxar para o terreno do cliché, mas o facto é que o Coronel Kilgore está, indefectivelmente, entre as maiores personagens de sempre do cinema americano e é um ícone central do imaginário dos filmes de guerra. Assim como as interpretações de Brando, de Hopper, de Fishburne e, pela ocasião, também de Martin Sheen.
O vício, no entanto, vem de bastante antes. É provável que tenha começado com Robert Aldrich, que é o mesmo que dizer que começara com
Dirty Dozen, quase uma sátira, viril, ao estereótipo do «herói de guerra». Um filme sobre marginais expiando a sua vida e tentando mudar o rumo da guerra, mas nunca conseguindo deixar de ser, no fundo, delinquentes - ou seja, um western spaghetti na Segunda Guerra Mundial. Aldrich, no entanto, já havia deixado, anteriormente, em 1956, um dos melhores filmes de guerra de sempre, e simultaneamente um dos mais injustamente ignorados:
Attack, com um Jack Palance furioso mas memorável numa história que vai além da guerra, descarnando o heroísmo em busca das diferenças entre glória e cobardia.
São inúmeros os títulos que eu poderia desfilar aqui sem remorsos:
Patton;
The Longest Day; o
The Big Red One de Sam Fuller; o filme menor
Anzio (confesso que é, talvez, um filme apenas para se ver Robert Mitchum e Peter Falk); até mesmo o famoso
Platoon do nem-sempre-palerma Oliver Stone;
Battle of the Bulge;
A Bridge Too Far; ou, claro,
Full Metal Jacket (que tem uma das mais grandiosas sequências iniciais da história do cinema). Já num campo ainda mais restrito, o das batalhas aéreas, há
Battle Of Britain,
633 Squadron,
Tora! Tora! Tora!, etc.
Já entre os actores há nomes incontornáveis dentro deste genre. Claro que nos vêm à memória as «estrelas» John Wayne, Clint Eastwood, Robert Ryan, Michael Caine ou George C. Scott. Mas há, pelo menos, dois nomes que estão definitivamente ligados aos cenários de guerra no cinema e intimamente presentes numa grande parte dos filmes que vi desde a infância: Telly Savalas, o célebre «careca» que normalmente interpretava sociopatas ou soldados mais velhacos, e Lee Marvin, o eterno durão, com uma infância marcada por diversas expulsões de colégios (a razão poderá estar na franqueza com que Marvin interpreta os seus papéis mais castiços, mais agressivos).
Pode-se julgar que a série de bons filmes nesta área escassearam, ou praticamente desapareceram, a partir do fim da década de 70. Mas não. Nos últimos tempos temos tido outros filmes lançando de novo a semente do cenário. Destacarei, por isso, três:
Saving Private Ryan (Spielberg),
The Thin Red Line (Malick) e
When Trumpets Fade (Irvin).
Saving Private Ryan parece-me, obviamente, aquele mais conhecido. E com razão, digo eu. Spielberg tem aqui a sua grande obra num género que, admite ele mesmo, também está no seu imaginário desde miúdo.
Curiosamente, no mesmo ano Terrence Malick, que agora realiza
The New World, saiu-se com uma bela homenagem às campanhas do Pacífico, aos homens que lutaram para terminar, de vez, a Segunda Guerra Mundial, para fechar um interminável conflito. O seu
The Thin Red Line é um excelente filme, que tenho entre as minhas obras de eleição, sobretudo pela liberdade que Malick deu aos seus actores para desenvolverem (livremente?) as personalidades das personagens.
Já num plano diferente e menos comercial, parece-me, recordo, por fim,
When Trumpets Fade, uma película quase desconhecida. Violento e perturbante, este filme de John Irvin leva a ideia de «caos humano», em tempos de guerra, até às últimas consequências. Entre os filmes menores, é uma das pequenas pérolas dentro deste grande genre dos anos 90. É pena, claro, que seja ainda um exemplo isolado, uma ilha de qualidade entre muitos títulos desastrosos.
Uma vez alguém disse que os westerns e os musicais eram o verdadeiro cinema americano. Mas há mais dois produtos clássicos desse mesmo cinema: os filmes de gangsters e os filmes de guerra. A história de Hollywood ficaria bem mais pobre se se resolvesse esquecê-los.
por João Carlos Silva,
A Causa Das Coisas